Hotelaria, IoT e LGPD: Quando o Quarto Fala Demais
- Mario Cezar Nogales
- 17 de jun.
- 4 min de leitura

Hotelaria, IoT e LGPD: Quando o Quarto Fala Demais
Por Mario Cezar Nogales
Consultor especializado em hotelaria
A tecnologia é sedutora. Fala em nome da modernidade, da eficiência, da personalização. E a hotelaria — sempre ansiosa por diferenciação — mergulhou de cabeça na onda da Internet das Coisas (IoT), colocando sensores em tudo, das fechaduras às geladeiras, das TVs aos espelhos do banheiro. Só esqueceram de perguntar uma coisa: o que estamos fazendo com os dados dos nossos hóspedes?
Não sou advogado e este texto não é sobre aspectos técnicos da lei. Mas como consultor que vive o dia a dia da operação, posso afirmar com convicção: tem muito hotel apostando em inovação sem ter a menor ideia dos riscos envolvidos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) está em vigor e não é artigo de ficção jurídica. É realidade — e o setor está despreparado.
O quarto inteligente que espiona sem avisar
Peguemos um exemplo simples: o famoso “quarto inteligente”. Luzes automatizadas, climatização controlada por aplicativo, assistente de voz na mesa de cabeceira. Tudo perfeito... até que descobrimos que esses dispositivos estão registrando comandos, preferências, horários, vozes — e armazenando tudo em servidores que ninguém sabe onde ficam.
E o hóspede? Na maioria das vezes, não sabe que está sendo monitorado. Ou, se sabe, nunca foi perguntado se concordava. Aqui entra a tal da LGPD: a lei exige clareza, consentimento real e propósito justificado. Mas do ponto de vista prático, o que se vê é hotel coletando dados porque pode — e não porque precisa.
Não é “não pode usar IoT”. É “use com juízo”.
Que fique claro: não sou contra tecnologia. Muito pelo contrário. A IoT tem aplicações extraordinárias na hotelaria — da manutenção preditiva ao controle de energia, da automação de filas em buffets à personalização do atendimento. Mas há uma diferença enorme entre usar tecnologia para melhorar a experiência e usá-la para coletar dados indiscriminadamente.
O problema é que a maioria dos gestores nem sabe que está coletando dados pessoais sensíveis. A pulseira que monitora localização no resort, o app do hotel que pede geolocalização, a câmera no elevador que reconhece rostos — tudo isso pode virar dor de cabeça se mal administrado. E o pior: muitos dos sistemas usados nem são nacionais, nem foram pensados com base nas regras brasileiras.
O dilema: eficiência operacional x exposição jurídica
Eis o nó da questão. Quanto mais eficiente é o sistema, mais dados ele coleta. E quanto mais dados, maior o risco. A maioria dos hoteleiros pensa em performance, em ROI, em índice de satisfação. Quase ninguém pensa na segurança dos dados que estão sendo armazenados. Quem tem acesso? Onde ficam esses dados? Por quanto tempo? Silêncio.
Aqui entra o alerta: a LGPD responsabiliza o controlador pelo uso indevido ou vazamento de dados. Mas o hotel muitas vezes não sabe nem quem é o controlador — se é ele mesmo, se é o fornecedor do sistema, ou se é o prestador terceirizado da nuvem. O risco de responsabilização é real, inclusive judicial. Por isso, o que recomendo é simples: trabalhe com um bom advogado, e rápido.
O hóspede virou ativo digital. E quer saber como está sendo usado.
Talvez o aspecto mais delicado seja este: o hóspede deixou de ser apenas uma pessoa no quarto. Hoje ele é um ativo digital. Cada movimento, cada escolha, cada clique no controle remoto ou no aplicativo do hotel gera dados. Dados que podem ser úteis — mas que também podem ser usados contra ele, ou simplesmente mal utilizados por nós.
Não adianta mais esconder as práticas de coleta debaixo do tapete. O consumidor já percebeu. Ele pergunta, questiona, quer saber. E se não for bem atendido, vai à Justiça, às redes sociais ou às plataformas de avaliação. Estamos numa era em que o cuidado com a privacidade virou diferencial competitivo.
Ações práticas — e urgentes
Antes de contratar mais um “equipamento inteligente” ou lançar mais um aplicativo, responda internamente:
Por que estou coletando esses dados?
Eu informei isso ao hóspede de forma clara?
Os dados são realmente necessários ou estou acumulando “por precaução”?
Meu sistema está seguro? Eu saberia o que fazer se esses dados vazassem?
Há política clara de retenção e descarte dessas informações?
E, acima de tudo: tenho respaldo jurídico sobre isso? Porque se a resposta for “não sei” ou “ninguém nunca me perguntou”, é hora de acionar um advogado — de preferência um que entenda de LGPD e hotelaria.
Quem inova sem governança, arrisca o negócio
A hotelaria é, por natureza, uma atividade de confiança. O hóspede entrega seu nome, seu documento, seu cartão de crédito — e agora, com a IoT, entrega sua rotina. Cabe a nós, como operadores e estrategistas, proteger essa confiança. Porque nenhuma inovação vale a pena se coloca o cliente em risco — e o negócio na mira da Justiça.
Tecnologia é bem-vinda. IoT, idem. Mas inovação sem controle é improviso. E improviso, em tempos de LGPD, sai caro.
Este é um artigo de Mario Cezar Nogales, consultor especializado em hotelaria e autor renomado, oferece insights práticos e estratégias para gestores e equipes do setor. Com vasta experiência, ele transforma desafios em oportunidades por meio de livros e consultoria personalizada. Acesse www.snhotelaria.com.br para conhecer sua trajetória e elevar seu negócio.
Publicado na Revista Hotéis:
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