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Escassez de Pessoal na Hotelaria Brasileira

Recepção de Hotel

Escassez de Pessoal na Hotelaria Brasileira: O Problema é Real e a Solução Está em Nossas Mãos

Por: Mario Cezar Nogales

Consultor especializado em hotelaria


A escassez de pessoal na hotelaria não é mais um incômodo isolado, não é mais algo que se resolve com uma ou outra contratação apressada. Virou um gargalo que ameaça a operação, derruba a qualidade do serviço e mina a experiência do hóspede. Quem está no setor e conhece o chão do hotel sabe: estamos enfrentando uma crise estrutural e, se o gestor não tomar a frente, o buraco vai ficar maior. Não adianta esperar por governo, sindicato ou qualquer outra instância externa. A solução está na mão de quem tem a caneta, paga a conta e faz a gestão do negócio.


Depois da pandemia, a situação se agravou de forma generalizada. Muitos profissionais da hotelaria simplesmente abandonaram o setor e não voltaram. E é fácil entender por quê. Foram para áreas onde há melhor remuneração, carga horária mais justa, benefícios reais e maior reconhecimento. E não é só no Brasil. Esse fenômeno virou um problema global: nos Estados Unidos, por exemplo, o setor hoteleiro ainda tem cerca de 300 mil postos vagos desde o pico da pandemia; no Reino Unido, os hotéis registram quase 20% de déficit de mão de obra, afetando diretamente a operação; na França, a hotelaria soma cerca de 100 mil vagas abertas e dificuldade crescente de atrair jovens; na Alemanha, os hotéis perderam mais de 30% dos trabalhadores do setor durante a pandemia e não conseguiram repor; na Espanha, referência em turismo mundial, há um déficit estimado em 50 mil trabalhadores na alta temporada; e no Japão, o setor já projeta uma crise nos próximos anos com o envelhecimento da população e a falta de jovens interessados na hotelaria.


Por outro lado, nós mesmos do setor “deixamos a desejar” ao longo dos anos. Aqui no Brasil, cargos fundamentais como camareira, recepcionista, manutenção e até supervisão foram tratados como posições de baixo valor, como se fossem peças descartáveis da engrenagem. Nunca se construiu uma cultura que enaltecesse a importância desses profissionais. O resultado é simples: perdeu-se o respeito pelo trabalho na hotelaria. O jovem, quando olha para o setor, prefere procurar oportunidade no comércio, na logística, na área administrativa, no escritório com ar-condicionado e horário fixo, do que encarar a rotina, muitas vezes mal paga e pouco valorizada, de um hotel. E não se iludam: tecnologia não resolve o problema sozinho. É conversa fiada achar que robô vai substituir gente no atendimento, na limpeza ou no serviço de quarto. O check-in automático agiliza, o chatbot responde, mas quem faz a diferença no fim do dia é o funcionário que olha no olho, resolve o problema do hóspede e garante que a estadia seja memorável. Quem pensa que vai transformar seu hotel em uma linha de montagem tecnológica está enganando a si mesmo.


Então, o que fazer? O empresário precisa parar de empurrar o problema com a barriga e agir com estratégia. Primeiro ponto: valorizar de verdade quem está na linha de frente. Não é discurso motivacional barato. É criar um plano de carreira claro, com metas objetivas e reais oportunidades de crescimento. Chega de promessas vazias. O colaborador precisa enxergar que há um caminho no hotel, que seu esforço pode levá-lo adiante. E mais: o chamado “salário emocional” — respeito, reconhecimento, bom ambiente de trabalho — pesa tanto quanto o salário no fim do mês. Ninguém aguenta trabalhar onde só leva bronca e não tem retorno pelo que faz.


Outra ação que o setor precisa adotar é formação técnica voltada para a prática. Chega de cursos cheios de teoria e pouca aplicação. A hotelaria precisa de gente que saiba arrumar um quarto, servir um café, lidar com um hóspede insatisfeito, resolver um problema de manutenção — e isso se aprende no dia a dia, dentro do hotel. O empresário precisa criar parcerias com escolas técnicas, abrir as portas para estágio e trainee, formar o colaborador na prática, dentro da cultura do próprio empreendimento.


E vamos falar sério sobre condições de trabalho. Não adianta querer manter equipe com carga horária exaustiva e salário que mal cobre o transporte e o almoço. O turnover vai continuar enquanto o empresário fingir que isso não é problema. Quando eu comandava setor ou gerenciava hotel, nunca me apeguei ao mínimo da lei — eu fazia questão de montar escala com folgas duplas para todos, todos os meses, porque isso dá dignidade ao colaborador e gera retorno em comprometimento. Com as camareiras e demais setores de produção, minha prática era simples: se todos os quartos estavam prontos, principalmente quando era antes do término do turno, eu liberava a equipe mais cedo. Isso se chama respeito e gestão inteligente. Não é perder hora de trabalho, é ganhar produtividade e engajamento. O empresário que quer resultado precisa parar de olhar só para o relógio e começar a olhar para a equipe. E quando o mercado local já não supre a mão de obra necessária, o caminho é buscar reforço com responsabilidade — trazendo trabalhadores migrantes, sim, mas com apoio de agências sérias e projetos que ajudem na integração ao time e ao negócio.


Use a tecnologia como ferramenta de apoio, e não como solução mágica. Sistemas que organizam tarefas da governança, apps para check-in e check-out, gestão digital da manutenção — tudo isso serve para liberar o colaborador para o que realmente importa: o atendimento, o detalhe, a hospitalidade. Mas vamos ser francos: fazer o mínimo, ou menos que o mínimo, já bastam os escassos funcionários. Não é porque o time está reduzido que o serviço pode ser jogado às traças. Isso aqui não é várzea. Você já viu jogador de futebol de base, ganhando salário-mínimo, entrar em campo e dizer “ah, não vou correr atrás da bola porque me pagam pouco”? Pelo contrário: o sujeito dá o melhor de si para ser notado, para crescer, para conquistar um espaço. E no nosso setor é a mesma coisa. Acreditem: sempre tem alguém olhando, seja o hóspede, o chefe ou o mercado. O profissional que entrega mais do que o mínimo se destaca, e o empresário que forma essa cultura dentro do hotel sai na frente.


A escassez de pessoal é um problema sério e só tem um jeito de resolver — com ação prática, imediata e liderada pelo próprio empresário. Se o setor continuar na ilusão de que alguém de fora vai trazer a solução, vamos ver a qualidade dos serviços despencar e o setor perder ainda mais valor perante o mercado e o consumidor. É hora de resgatar a essência da hotelaria: um setor feito por pessoas, para pessoas, com dignidade, respeito e excelência no serviço.

 

Este artigo é assinado por Mário Cezar Nogales, consultor especializado em hotelaria, autor de livros técnicos e referência no setor. Com uma visão prática, estratégica e resultado comprovado, Cezar ajuda gestores e equipes a transformarem desafios em oportunidades reais, com soluções sob medida para cada tipo de hotel.


Publicado também na Revista Hotéis

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